O conceito de repetição em Lacan – Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise
- Lisiane Fachinetto
- 3 de ago. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 23 de mar.
A repetição em Lacan
O traçado do conceito da repetição em Lacan segue o mesmo padrão do traçado do conceito de inconsciente, ou seja, pode ser classificado quanto à maior predominância dos registros imaginário, simbólico e real. Dado o escopo deste trabalho, a elaboração a respeito da inércia do imaginário, trabalhada por meio da metáfora do espelho, não será alvo de atenção deste trabalho.
Vejamos dois tempos de elaboração a respeito da repetição simbólica. O primeiro pode ser encontrado no seminário sobre “A carta roubada”, em que Lacan comenta o conto de Edgar Allan Poe (LACAN, 1955/1998). Nesse texto, Lacan faz a tentativa de utilizar uma linguagem formal para explicar fenomenologicamente como os significantes se repetem. Segundo o autor, a sua pesquisa levou a seguinte consideração: “o automatismo de repetição (Wiederholungszwang) extrai seu princípio do que havíamos chamado de insistência da cadeia significante” (LACAN, 1955/1998, p.13), o que leva ao entendimento do aparecimento do sujeito do inconsciente.
O segundo pode ser examinado a partir do Seminário XI (1964/1998), no qual, paralelamente ao seu interesse pela Linguística, Lacan passa, também, a interessar-se pela lógica e pela matemática, mais especificamente pela teoria dos conjuntos. Dessa teoria, Lacan retira a noção de vel para sua elaboração teórica. Se até então a lógica pensava em vel exaustivo e inclusivo, o autor pensa em vel da reunião, cuja característica é a de que qualquer que seja a escolha do sujeito, essa sempre implicará em uma perda. O diagrama abaixo ilustra o chamado vel da alienação.

A figura foi montada a partir de dois círculos sobrepostos, em que se forma um campo de intersecção, onde se lê o não-senso, campo comum entre o sujeito (O ser, representado por meio do círculo do lado esquerdo) e o sentido (o Outro, representado por meio do círculo do lado direito). Explicando a lúnula formada pela sobreposição dos campos, Lacan diz que se trata do lugar do objeto pequeno a, isto é, o campo da falta por excelência.
A repetição, portanto, é explicada a partir desse vel, o “ou” exclusivo que leva cada um de nós a ter de escolher, a cada momento, entre o sentido (igual para todos) e o seu ser (potencialmente único). Assim, ao longo de uma vida, todos alternam momentos de alienação, no qual se submetem às interpretações de senso comum para dar nome às coisas, e de separação, na qual abandonam os nomes previamente pactuados para inventar novas formas de ver o mundo. Entre os dois momentos, Lacan localiza o instante de perplexidade que se impõe ao sujeito quando, no instante anterior à invenção, as coisas já deixaram de ter sentido.
Quando uma coisa não tem sentido, ela insiste para vir a ser significada. A repetição é explicada como tendo sido causada pela impossibilidade de simbolizar um x. É uma radicalização da teoria do trauma freudiano. Na repetição, existe algo que possui a mesma forma, significantes que foram fixados no trauma, e que aparece em outra cena numa tentativa de significação. O autor aproxima a repetição da noção de resistência, “a resistência do sujeito que se torna, nesse momento, repetição em ato” (LACAN,1964/1998, p.53).
Também o conceito de repetição passa a ser trabalhado na vertente predominantemente real a partir do Seminário XX, quando o psicanalista francês correlaciona à premência de uma forte sensação corporal que tende a se recolocar. Um exemplo disso é a insistência da criança pequena de descer no escorregador inúmeras vezes, sem se decidir a abrir mão desse prazer.
Na sua última formulação, o autor toma a repetição do real, portanto, como análoga à presença irredutível do corpo do sujeito. Essa presença é vista como sendo fonte da criatividade, do estilo. Cada um tem um elemento duro, impossível de ser erradicado, que sempre comparece e pode servir de matéria prima para suas criações.
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