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Silenciamento e desabono de crianças e adolescentes em instituições de ensino básico

Atualizado: 22 de mar.

Nesta escrita, proponho uma discussão acerca do silenciamento e do desabono do sofrimento de alunos em instituições de educação básica e uma reflexão sobre as saídas comumente utilizadas por profissionais que atuam na área da educação, principalmente professores, psicanalistas e psicólogos para, a partir de uma leitura crítica a respeito do sofrimento humano, pensar em novas possibilidades de intervenções. Esta questão me interessa pois como psicanalista/psicóloga concursada, trabalhando em uma Secretaria Municipal de Educação no interior do Rio Grande do Sul, observo uma tentativa constante de calar sofrimentos através da busca de categorizações nosológicas, ou seja, nomeações diagnósticas, ou ainda, soluções medicamentosas para situações e comportamentos consideradosproblemas no cotidiano escolar, especialmente, porque não respondem a demanda idealizada e desejada por professores.

Cabe ressaltar que o termo sofrimento “não tem estatuto de conceito, sendo expresso através da temática da angústia, do mal-estar, do desamparo, do estranho ou infamiliar” (ROSA, 2021). Ou seja, a compreensão do que seja sofrimento para o sujeito perpassa tanto suas questões psíquicas quanto sociais. Rosa (2021) resgata uma proposição freudiana sobre a troca feita pelo homem civilizado, de uma parcela de sua felicidade por uma parcela de segurança. Porém, a autora também pontua que “nem todos pagam o mesmo preço pela civilização”, afinal, uma parte da população tem mais proteção e pertença que outra que sofre maiores restrições, infortúnios e sofrimento.


Psicólogos e psicanalistas estão ocupando espaços que não se restringem às práticas clínicas, estão se inserindo em instituições públicas de saúde, de assistência social e também na educação. Segundo Rosa (2021) isso tem permitido produzir “saberes e discursos que serão referências decisivas para as políticas públicas e para o lugar social atribuído ao sujeito”. Porém, a psicologia escolar, tem como práticas mais costumeiras que são “uma versão vulgar, esquemática e simplificada em fórmulas presentes em interpretações de testes de personalidade e em laudos psicológicos que patologizam alunos que não correspondem às expectativas escolares de trabalho e obediência” (PATTO, 2002, FANIZZI, p. 24).


Estas práticas têm desabonado o sofrimento, silenciando sintomas que falam sobre um sofrimento que crianças e adolescentes não conseguem expressar de outro modo que não seja por uma inquietude, agressividade ou desatenção, queixas frequentes de professores que atuam em sala de aula. Entretanto, estes sinais são tomados em sua literalidade e não como manifestações de que algo não vai bem com o sujeito.


Classes populacionais mais oprimidas e em situação de vulnerabilidade social sofrem de forma mais incisiva o mal-estar. Rosa (2021) salienta que há umsilenciamento de sofrimento observado pessoas que estão “em posições socialmente desqualificadas devido a fatores econômicos, raciais, culturais, religiosos e de gênero, entre outros”. Entendo que isto produz efeitos tanto na aprendizagem como na produção de sofrimentos e sintomas, bem como na constituição psíquica dos sujeitos.


Isto se evidencia em espaços escolares, em que crianças e adolescentes, sujeitos em tempo de constituição subjetiva, que vem sendo tomados como capazes de gerenciar seus sofrimentos e demandas escolares, como se não houvessem atravessamentos na aprendizagem de acontecimentos fora do espaço escolar. Além de uma desresponsabilização do ato de educar, que se trata de civilizar o sujeito e do caráter constitutivo das intervenções em sala de aula, professores também tem se desautorizado a atuar a partir da ocupação de um lugar de referência para seus alunos.


A frequente conclusão de diagnósticos cada vez mais fechados de alunos de diferentes faixas etárias – transtorno do deficit de atenção e hiperatividade, transtorno opositivo desafiador e tantos outros nomes, têm ficado comum no cotidiano escolar. A resolução mais buscada, além da nomeação, é a intervenção de outros profissionais, comumente da área da saúde, ou ainda, a introdução de remédios que silenciem estes sintomas, permitindo que o professor siga com sua explanação de aula, sem maiores intercorrências e não necessite intervir na educação desses sujeitos.


O que proponho é uma compreensão de sujeito que abranja a constituição do sujeito, a sua realidade, história, contexto familiar e social, das funções paterna e materna aos quais a criança dispõe que impactam diretamente na educação e produção de aprendizagens e aquisição de conhecimentos. Temos presenciado uma tentativa de enquadrar o sofrimento psíquico e até mesmo problemas socioeconômicos enquanto diagnoses preconcebidas. Entendo que o fechamento de diagnóstico antes da disposição à escuta e acolhimento do sofrimento, tem levado a um silenciamento e desabono das experiências de cada sujeito. Não tem-se dispensado tempo e espaço para que essas produções subjetivas ganhem sentidos ou significados, ou mesmo uma elaboração desses sofrimentos.


Ao refletir sobre a minha prática, com a especificidade da psicanálise e da educação, depreendo que há uma necessidade da criação de uma terceira via como tentativa de resolver alguns impasses na educação que passam por intervenções que, ao invés de silenciar, promova espaços de fala, que promova a singularidade do sujeito. A escola é um espaço múltiplo e deve abrir possibilidades para que as diferenças encontrem lugar de expressão e de circulação no mundo.


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