Édipo em Freud e Lacan
- Karen Graziele Tavares
- 8 de out. de 2023
- 9 min de leitura
Atualizado: 3 de abr.
Parte-se do pressuposto de que o sujeito se constitui no social e, portanto, é através das relações e laços estabelecidos com o Outro, que o sujeito pode se posicionar frente ao mundo e as exigências impostas para a vida na sociedade. Na busca por compreender os efeitos da dessimbolização, desta sociedade contemporânea e capitalista, no sujeito, é pertinente fazer o percurso do entendimento psicanalítico acerca da subjetivação.
Desse modo, apropria-se primeiramente da concepção freudiana e do Complexo de Édipo, do manejo com a castração, ou seja, a interdição pela lei simbólica; para em seguida, fazer um contraponto com a compreensão lacaniana a respeito da constituição do sujeito, visando, acompanhar também no processo constituinte as transformações sociais. Isto porque, como já mencionado, a organização da sociedade está diretamente ligada à produção de sujeito e de singularidades.
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O Édipo em Freud
Freud se utiliza do mito do Rei Édipo, de Sófocles, para traçar um diferencial entre o homem e o animal, explicando como o sujeito se constitui, visto que ele não é natural, mas um ser social e ainda, como se desenrola a sua sexualidade na infância. Em “Três ensaios sobre a sexualidade” (1905), Freud apresenta conceitos sobre a sexualidade humana, introduzindo a libido, como pulsão sexual, de onde provém a atração, que determina um alvo sexual para onde a atração é dirigida. Ainda neste texto, Freud (1905) apresenta a libido enquanto uma força, uma energia psíquica. Esta energia se encontra em um reservatório de onde partem as catexias de objeto e voltam a ser recolhidas no psíquico. Em o “Ego e o Id” (1923), o autor postula que a libido é uma energia deslocável, empregada a serviço do prazer. Embora seja caracterizada como uma pulsão sexual, a libido, por ser uma energia deslocável, pode ser dessexualizada e, portanto, uma energia sublimada.
Quanto às zonas erógenas, as partes do corpo, tidas como órgãos sexuais pelos bebês, Freud (1915) denomina que essas zonas são substitutivas da genitália, sendo assim, o bebê descobre o prazer em seu próprio corpo e, se auto-erotiza. Kaufmann (1996) cita Freud ao conceituar a zona erógena, como um órgão cuja excitação confere a pulsão um caráter sexual. No texto freudiano de 1915, “Os Instintos e suas Vicissitudes”, o autor define que a zona erógena está para além da parte do corpo escolhida para excitação, pois a função básica é o estímulo que gera uma sensação de prazer, independentemente da localização física. No entanto, como uma primeira organização da vida sexual, no âmbito pré-genital, há uma estimulação na zona oral. Esta encontra-se ligada tanto a nutrição (necessidade), quanto a uma satisfação da pulsão sexual, como alimentar-se no seio materno. Esta fonte inicial de estimulação de sensação prazerosa, boca e língua, é descoberto, logo que a criança começa a ser amamentada e se sacia após a sucção no seio da mãe.
Em seguida, se sobrepõe a fase sádico-anal, relacionada ao controle e dominação, através da musculatura do corpo, que controla a mucosa erógena do intestino. Há ainda, uma relação entre as posições ativa e passiva, ou seja, ora masculina, ora feminina na criança. O ânus e o controle dos esfíncteres proporcionam gozo aos bebês, e o conteúdo do intestino, é considerado como parte de seu corpo e como um presente, um material erotizado. As zonas erógenas subsequentes são o olho, em função da escopofilia e exibicionismo (prazer em ver e ser visto) e, a pele, em um jogo que envolve dor e crueldade (posições masoquistas e sádicas). Lembrando ainda, que Freud (1905) define as crianças enquanto criaturas perversas polimorfas.
A partir disto, o objeto sexual, passa a se encontrar fora do corpo da criança, que passa a escolher outro objeto sexual. No entanto, a pulsão sexual sofre resistências, como o asco, a vergonha e a moral, que levam estes processos ao recalcamento. O recalcamento, segundo Freud (1905) significa que estas lembranças infantis foram retidas no inconsciente, por isso, para o sujeito o que teve de experiência até seis ou oito anos de idade, prevalece na vida adulta sob uma amnésia. Isto afeta a maioria das pessoas, implicando em um impeditivo para que estes processos sejam lembrados.
Neste período as crianças criam teorias próprias para explicar a sexualidade, como cita Freud (1905), por exemplo, as crianças imaginam a existência de pênis em todos os seres animados ou inanimados. Também existe a ideia de que as crianças nascem do intestino, pelo ânus e, o ato sexual, é entendido em uma perspectiva de ativa e passiva.
Freud (1924) afirma que as organizações pré-genitais da libido abrem caminho para o início bifásico do desenvolvimento sexual. O fato de para ambos os sexos considerarem apenas o órgão genital masculino como referência, o autor designa que há uma primazia do falo. Posteriormente, a criança de depara com a inexistência do pênis, isto se caracteriza para ela como uma ameaça, como o resultado da castração. Assim, a criança supõe que a castração é uma punição, e que esta pode levar a perda de seu pênis.
A latência corresponde ao momento em que a criança passa a ser educada, neste momento, o infante é levado a sublimar suas pulsões sexuais, para dirigi-las ao conhecimento. Segundo Freud (1905) a sublimação acontece neste período, momento em que a criança é levada a escola, para ser ensinada e inserida no contexto social. Deste modo, neste processo, as forças pulsionais sexuais são desviadas para novos alvos, geralmente realizações culturais e de inserção no mundo.
Há ainda uma controvérsia neste período, pois, na infância, a pulsão sexual é inutilizada, ao mesmo tempo em que as zonas erógenas aparecem como saídas para estas catexias sexuais. Ou seja, ora direciona sua energia para um objeto fora de seu próprio corpo, ora retoma a auto-erotização.
Freud (1905) indica que aproximadamente, aos cinco anos floresce na criança a pulsão de saber, de investigar. Segundo Kaufmann (1996) pulsão é um conceito importante nos textos metapsicológicos de Freud. Freud (1905) situa que a pulsão está na fronteira entre o psíquico e o corpo físico/orgânico, a pulsão é uma energia contínua. O autor discorre ainda que a origem da pulsão provém de uma satisfação já vivenciada, em processos orgânicos, passa por estimulação das zonas erógenas, se encaminhando para pulsões de ver e para a crueldade. Em 1915, Freud, pontua que a pulsão provém do mundo interno e sua finalidade é a satisfação, no entanto, deve-se considerar que não há uma satisfação total, e sim, objetos de satisfação parcial.
A pulsão sexual é uma das pulsões existentes no sujeito, uma parte das energias que provém do psíquico, que sustentam tanto as manifestações patológicas, quanto uma importante fonte de energia incessante para a neurose. Inserido na sociedade, o sujeito precisa abrir mão de parte de seu narcisismo, e para tanto, a sua pulsão é castrada, afinal, não pode fazer exatamente aquilo que deseja. E por isso, torna-se necessário a escolhas de outros objetos/alvos de satisfação da pulsão.
O modo como o sujeito lida com esta castração, no processo de subjetivação, diz respeito ao Édipo freudiano. Então, o menino percebe a falta do pênis na menina, como ameaça para o seu próprio pênis, deste modo, ele também o pode perder. A castração é esta ameaça iminente, é a proibição, que deve ser respeitada, para que não venha a ocorrer o corte do seu pênis.
Enquanto alvo sexual, a mãe é a primeira escolhida como objeto da criança, tanto no menino quanto na menina, no entanto, o menino precisa se identificar com o pai, pois deste modo, poderá ter aquilo que a mãe deseja. Mas para isto, ele precisa escolher outra mulher que não a mãe, pois esta está interditada pelo pai. A menina precisa se desligar da mãe, passar a desejar o pai, sendo interditada pelo mesmo, para que possa ir a busca de outro homem parecido com ele.
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O Édipo em Lacan
Lacan faz uma nova leitura e antecipa o Complexo de Édipo de Freud. Dor em “Introdução à leitura de Lacan” (1989) apresenta o que para Lacan, se situa antes do Édipo: o estádio do espelho. Apesar de sempre levar em consideração a dimensão social, Lacan, segundo referencia Léa Silveira Sales (2005), coloca o estádio do espelho anterior à dialética social, sendo analisado a partir da presença do outro, da relação do sujeito com seu próprio corpo. Deste modo, a autora salienta a perspectiva lacaniana, da identificação da criança com sua própria imagem, que encaminhará a formação de sua estrutura.
Neste sentido a imago, seria o principal conceito para a compreensão da “objetivação do indivíduo humano em suas funções de conhecimento e de relação com o semelhante” (SALES, 2005, 152). Ou seja, trata-se das relações intersubjetivas do eu. No estádio do espelho, está em jogo, o processo de formação do sujeito, com a identificação de uma imagem totalizante, tornando o sujeito capaz de sentir-se como tal, saindo do estado de perceber-se enquanto um ser fragmentado.
O estádio do espelho trata-se de uma relação em que há uma alienação com a mãe, caracteriza-se como um período de identificação, em que a criança faz a conquista de sua imagem, promovendo a estruturação do eu. No avanço do estádio do espelho, o sujeito deixa de perceber seu corpo fragmentado, para reconhecê-lo enquanto unidade. Uma imagem que reflete no espelho, mas que já não é o Outro, deixou de ser apenas uma imagem, para se tornar o eu, para ser aquilo que é refletido de si. Para constituir-se enquanto sujeito, para entrar no mundo simbólico, acriança precisa passar da dialética do Ser para o Ter. Dor (1989) explicita que quando a criança é o falo, ela representa o único objeto de desejo da mãe, ela satisfaz a mãe, preenche a falta. Quando passa a ter o falo, sai da posição de objeto de desejo da mãe, para ser sujeito e produzir seu próprio desejo.
A dialética é constitutiva, é necessária no processo de subjetivação, contudo, é preciso fazer a saída de uma posição para outra. É importante frisar, que o sujeito precisa deixar de Ser o falo do Outro, da mãe, objeto de desejo desta, para Ter o falo, e poder fazer o manejo de seu próprio desejo. Lacan (1964) trabalha em O Seminário 11, “Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”, com os conceitos da dialética da alienação e separação, fornecendo mais elementos para pensar este processo constitutivo.
Sendo assim, o autor situa que a alienação se trata de uma dependência ao Outro, para que não desapareça enquanto sujeito, desse modo, fica garantida a sua existência, pelos elementos em comum com o Outro. Lacan (1964) explicita que algo está eclipsado pelo desaparecimento no campo do Outro. Disto, para a relação mãe/bebê, entende-se que a criança está fusionada a sua mãe, eclipsada com ela, compartilhando do desejo dela. Para o autor, alienação está calcada em uma reunião, ou seja, uma colação.
Já na separação, Lacan (1964) postula a existência de uma intersecção. Para que aconteça esta intersecção, esta separação entre mãe/bebê, é necessária a entrada da castração, de um terceiro, para permitir uma diferenciação entre o que é o corpo materno e o corpo infantil. O autor pontua que os intervalos do discurso do Outro, permite a criança se remeter o que seria o desejo do Outro, que ela não sabe.
Entretanto, a criança não tem condições de fazer esta separação por si mesma, ela precisa que alguém entre nesta relação e promova a intersecção, um intervalo, uma falta, para que a criança venha a se reconhecer enquanto sujeito. E, não é qualquer sujeito, é o sujeito de desejo. Lacan (1964) diz “uma falta recobre a outra. Daí, a dialética dos objetos do desejo, no que ela faz a junção do desejo do sujeito com o desejo do Outro” (LACAN, 1964, p. 203). O desejo da criança entra em jogo, quando a falta é instaurada, quando há uma “amputação”, utilizando de um termo utilizado por Lacan (1964). O autor menciona que mesmo na alienação se perde algo, no caso da criança, o reconhecimento de seu desejo; embora, também há uma perda quando há a separação, pois deixa de estar colado na mãe e corre o risco de desaparecer enquanto sujeito, a fantasia da morte.
Para tanto, a criança passa por três tempos, a constar: primeiro há uma confusão entre si e o outro, há um assujeitamento imaginário da criança, que está alienada no desejo da mãe. Neste momento a criança é o falo. Em um segundo momento, há um processo identificatório, a partir da qual a criança descobre o outro como uma imagem. No terceiro momento, a criança passa a se reconhecer através da imagem e compreende seu corpo como totalidade.
Dor (1989) aponta que a apropriação da imagem do corpo é fundamental para a constituição do sujeito. Com isto, a criança está em identificação imaginária, que é uma pré-condição para a construção do eu. O próximo passo na constituição é o Édipo, que também se compõe de três tempos. Lacan (1958) aponta que na primeira etapa, a criança ainda está fusionada na mãe e tenta satisfazê-la, pois ainda é o seu objeto de desejo e, o pai encontra-se neste momento, velado. Em segundo, o pai interdita a mãe, faz a castração, privando a mãe do bebê, ou seja, o pai se faz presente a partir de sua função de descolar a mãe do bebê. No terceiro tempo, a criança identifica que é o pai quem possui o que a mãe deseja, ele é potente e real, o pai se revela como detentor do falo e a partir disto, a criança se identifica com o pai.
E neste momento o Édipo declina. Ou seja, é instaurada a metáfora paterna, ou ainda, como ainda denomina Lacan (1958), o Nome-do-Pai. Segundo Dor (1989) é a função estruturante e fundadora do sujeito psíquico, isto porque, inaugura o acesso ao simbólico, a partir do momento em que afasta a criança deste assujeitamento materno imaginário. Lacan (1958) situa que este termo, Nome-do- Pai, está no nível do significante que dá base à lei, que faz a lei, uma lei simbólica.
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